Arquivo Litúrgico

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

AS CERIMÔNIAS LITÚRGICAS E A ARS CELEBRANDI


Rafael Vitola Brodbeck 
Palavras do antigo Mestre de Cerimônias das Celebrações Litúrgicas Papais: 
"Cada gesto litúrgico, sendo um gesto de Cristo, é chamado a expressar a beleza."[i] 
A Igreja, na contramão de tantos que pretendem, após o Concílio, em nome de uma artificial simplicidade litúrgica, promover inovações absolutamente estranhas ao rito romano e à própria noção de liturgia católica, ensina, claramente, que é preciso insistir na "necessidade de superar toda e qualquer separação entre a arte da celebração (ars celebrandi, isto é, a arte de celebrar retamente) e a participação plena, ativa e frutuosa de todos os fiéis: com efeito, o primeiro modo de favorecer a participação do povo de Deus no rito sagrado é a condigna celebração do mesmo; a arte da celebração é a melhor condição para a participação ativa (actuosa participatio). Aquela resulta da fiel obediência às normas litúrgicas na sua integridade, pois é precisamente este modo de celebrar que, há dois mil anos, garante a vida de fé de todos os crentes, chamados a viver a celebração enquanto povo de Deus, sacerdócio real, nação santa (1 Pd 2, 4-5.9)."[ii] 
Longe de impedir uma real e ativa participação dos fiéis, a liturgia bem feita, com uma estrita observância das rubricas, uma fiel obediência a todas as normas emanadas da Santa Sé, um verdadeiro imbuir-se do decoro e do seu espírito, e um profundo amor pela nossa rica tradição ritual romana, favorece a que todos, clérigos e leigos, penetrem no real mistério celebrado em nossas igrejas. A liturgia terrestre reflete a liturgia do céu. É preciso que isso seja captado pelos fiéis e pelos celebrantes, e é nesse sentido que as rubricas vêem em nosso socorro, para tornar visível aquilo que, por sua essência, é invisível. É fazendo cada oração contida no Próprio do dia ou ditada pela liturgia, executando determinado ato ou gesto, usando certos vasos e paramentando-se conforme as normas canônicas, que se sobressai o que, essencialmente, é determinado ato litúrgico, seja a Missa, seja o Ofício, seja qualquer outra celebração. 
Como ensina o Pe. Scott A. Haynes, SJC, a Igreja, para bem celebrar a liturgia com as devidas reverência e beleza, deve ser apta a diferenciar o sagrado do profano, pois as constantemente falsas aplicações da inculturação poluem a adoração litúrgica, e, por isso, precisamos ter presente que, nas palavras de Paulo VI, "nem tudo é válido, nem tudo é lícito, nem tudo é bom"[iii], dado que o profano, o simplório, o inferior, o não-artístico não são habilitados a cruzar os átrios do templo do Senhor.[iv] 
Enfim, transcrevemos, para aprofundamento no tema, matéria da agência Zenit de notícias, que transmite desde Roma. Cuida-se de uma entrevista com a poetisa brasileira Adélia Prado a respeito da liturgia e do cuidado com o culto: 
"Ao defender o esmero com as celebrações litúrgicas e a beleza como uma 'necessidade vital' que deve permeá-las, a escritora brasileira Adélia Prado afirma que «a missa é como um poema, não suporta enfeite nenhum». 
'A missa é a coisa mais absurdamente poética que existe. É o absolutamente novo sempre. É Cristo se encarnando, tendo a sua Paixão, morrendo e ressuscitando. Nós não temos de botar mais nada em cima disso, é só isso', enfatiza. 
Poeta e prosadora, uma das mais renomadas escritoras brasileiras da atualidade, Adélia Prado, 71 anos, falou sobre o tema da linguagem poética e linguagem religiosa essa quinta-feira, em Aparecida (São Paulo), no contexto do evento 'Vozes da Igreja', um festival musical e cultural. 
Ao propor a discussão do resgate da beleza nas celebrações litúrgicas, Adélia Prado reconheceu que essa é uma preocupação que a tem ocupado 'há muitos anos'. 'Como cristã de confissão católica, eu acredito que tenho o dever de não ignorar a questão', disse. 
'Olha, gente - comentou com um tom de humor e lamento -, têm algumas celebrações que a gente sai da igreja com vontade de procurar um lugar para rezar.' 
Como um primeiro ponto a ser debatido, Adélia colocou a questão do canto usado na liturgia. Especialmente o canto 'que tem um novo significado quanto à participação popular', ele 'muitas vezes não ajuda a rezar'. 
'O canto não é ungido, ele é feito, fazido, fabricado. É indispensável redescobrir o canto oração', disse, citando o padre católico Max Thurian, que, observador no Concílio Vaticano II ainda como calvinista, posteriormente converteu-se ao catolicismo e ordenou-se sacerdote. 
Adélia Prado reforçou as observações, enfatizando que «o canto barulhento, com instrumentos ruidosos, os microfones altíssimos, não facilita a oração, mas impede o espaço de silêncio, de serenidade contemplativa». 
Segundo a poeta, 'a palavra foi inventada para ser calada. É só depois que se cala que a gente ouve. A beleza de uma celebração e de qualquer coisa, a beleza da arte, é puro silêncio e pura audição'. 
'Nós não encontramos mais em nossas igrejas o espaço do silêncio. Eu estou falando da minha experiência, queira Deus que não seja essa a experiência aqui', comentou. 
'Parece que há um horror ao vazio. Não se pode parar um minuto'. 'Não há silêncio. Não havendo silêncio, não há audição. Eu não ouço a palavra, porque eu não ouço o mistério, e eu estou celebrando o mistério', disse. 
De acordo com a escritora mineira (natural de Divinópolis), 'muitos procedimentos nossos são uma tentativa de domesticar aquilo que é inefável, que não pode ser domesticado, que é o absolutamente outro'. 
'Porque a coisa é tão indizível, a magnitude é tal, que eu não tenho palavras. E não ter palavras significa o quê? Que existe algo inefável e que eu devo tratar com toda reverência.' 
Adélia Prado fez então críticas a interpretações equivocadas que se fizeram do Concílio Vaticano II na questão da reforma litúrgica. 
'Não é o fato de ter passado do latim para a língua vernácula, no nosso caso o português, não é isso. Mas é que nessa passagem houve um barateamento. Nós barateamos a linguagem e o culto ficou empobrecido daquilo que é a sua própria natureza, que é a beleza.' 
'A liturgia celebra o quê?' - questionou -. 'O mistério. E que mistério é esse? É o mistério de uma criatura que reverencia e se prostra diante do Criador. É o humano diante do divino. Não há como colocar esse procedimento num nível de coisas banais ou comuns.' 
Segundo Adélia, o erro está na suposição de que, para aproximar o povo de Deus, deve-se falar a linguagem do povo. 
'Mas o que é a linguagem do povo? É aí que mora o equívoco', - disse -. 'Não há ninguém que se acerca com maior reverência do mistério de Deus do que o próprio povo'. 
'O próprio povo é aquele que mais tem reverência pelo sagrado e pelo mistério', enfatizou. 
'Como é que eu posso oferecer a esse povo uma música sem unção, orações fabricadas, que a gente vê tão multiplicadas e colocadas nos bancos das igrejas, e que nada têm a ver com essa magnitude que é o homem, humano, pecador, aproximar-se do mistério.' 
Segundo a escritora brasileira, barateou-se o espaço do sagrado e da liturgia 'com letras feias, com músicas feias, comportamentos vulgares na igreja'. 
'E está tão banalizado isso tudo nas nossas igrejas que até o modo de falar de Deus a gente mudou. Fala-se o «Chefão», «Aquele lá de cima», o «Paizão», o «Companheirão».' 
'Deus não é um «Companheirão», ele não é um «Paizão», ele não é um «Chefão». Eu estou falando de outra coisa. Então há a necessidade de uma linguagem diferente, para que o povo de Deus possa realmente experimentar ou buscar aquilo que a Palavra está anunciando', afirmou. 
Para Adélia Prado, 'linguagem religiosa é linguagem da criatura reconhecendo que é criatura, que Deus não é manipulável, e que eu dependo dele para mover a minha mão'. 
Com esse espírito, enfatizou, 'nossa Igreja pode criar naturalmente ritos e comportamentos, cantos absolutamente maravilhosos, porque verdadeiros'. 
Ao destacar que a missa é como um poema e que não suporta enfeites, Adélia Prado afirmou que a celebração da Eucaristia «é perfeita» na sua simplicidade. 
'Nós colocamos enfeites, cartazes para todo lado, procissão disso, procissão daquilo, procissão do ofertório, procissão da Bíblia, palmas para Jesus. São coisas que vão quebrando o ritmo. E a missa tem um ritmo, é a liturgia da Palavra, as ofertas, a consagração. então ela é inteirinha.' 
'A arte a gente não entende. Fé a gente não entende. É algo dirigido à terceira margem da alma, ao sentimento, à sensibilidade. Não precisa inventar nada, nada, nada', disse Adélia. 
E encerrou declamando um poema seu, cujo um fragmento diz: 
Ninguém vê o cordeiro degolado na mesa, 
o sangue sobre as toalhas, 
seu lancinante grito, 
ninguém".[v] 
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[i] MARINI, Mons. Piero. Liturgy and Beauty. 15 mar. 2006. Disponível em: <http://www.vatican.va> 
[ii] Sua Santidade, o Papa Bento XVI. Exortação Apostólica Pós-Sinodal Sacramentum Caritatis, 38 
[iii] Sua Santidade, o Papa Paulo VI. Carta à Sociedade Italiana de Santa Cecília, 15 de abril de 1971 
[iv] HAYNES, Pe. Scott A., SJC. Restoring Beauty in the Liturgy, Chicago: Biretta Books, 2007 
[v] RIBEIRO, Alexandre. Missa é como um poema, não suporta enfeite nenhum, diz Adélia Prado. Zenit, 02 dez. 2007. Disponível em: <http://www.zenit.org/article-16922?l=portuguese>. Acesso em: 06 fev. 2009 

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