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quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

SOBRE O MINISTRO DO SACRAMENTO DA UNÇÃO OS DOENTES

fonte: cliturgia

Com data de 11-02-05, a Congregação para a Doutrina da Fé publicou uma nota acerca do ministro do sacramento da Unção dos Doentes, a fim de prevenir o perigo de se levar à prática certas tendências teológicas que põem em questão a doutrina da Igreja. A Nota vem seguida de um comentário elucidativo da mesma Congregação


O c. 1003 § 1 do Código de Direito Canónico (cf. c 739 § 1 do Código dos Cânones das Igrejas Orientais) retoma exactamente a doutrina expressa pelo Concílio Tridentino (Sessio XIV, c. 4: DS 1719; cf. Catecismo da Igreja Católica, n. 1516), segundo a qual somente os sacerdotes (Bispos e presbíteros) são ministros do sacramento da Unção dos Doentes.
Esta doutrina é definitive tenenda. Portanto, nem os diáconos nem os fiéis leigos podem exercer o dito ministério, e qualquer acção em tal sentido constitui uma simulação do sacramento.
Dado em Roma, na Sede da Congregação para a Doutrina da Fé, a 11 de Fevereiro de 2005, Memória da Santíssima Virgem Maria de Lurdes.
X Joseph Card. Ratzinger, Prefeito
X Angelo Amato, S.D.B., Arcebispo titular de Sila, Secretário


Comentário
Nestas últimas décadas surgiram algumas tendências teológicas que põem em dúvida a doutrina da Igreja segundo a qual o ministro do sacramento da Unção dos Doentes «est omnis et solus sacerdos».
A questão tem sido encarada, sobretudo, do ponto de vista pastoral, tendo em atenção, especialmente, aquelas regiões em que, devido à escassez de sacerdotes, se torna difícil a oportuna administração do sacramento, dificuldade que poderia ser resolvida se os diáconos permanentes e alguns leigos qualificados pudessem ser delegados como ministros do sacramento.
Nota da Congregação para a Doutrina da Fé quer chamar a atenção para estas tendências, a fim de prevenir o perigo de que se procure pô-las em prática, em detrimento da fé e com grave dano espiritual para os doentes a quem se quer ajudar.
A teologia católica viu na Carta de São Tiago (cf. 5, 14-15) o fundamento bíblico do sacramento da Unção dos Doentes. O autor da Carta, depois de ter dado diversos conselhos sobre a vida cristã, apresenta também uma norma para os doentes: «Está entre vós algum enfermo? Chame os presbíteros da Igreja, e estes façam orações sobre ele, ungindo-o com óleo em nome do Senhor: a oração da fé salvará o enfermo e o Senhor o aliviará; se estiver com pecados, ser-lhes-ão perdoados».
Neste texto, a Igreja, sob a acção do Espírito Santo, reconheceu no decorrer dos séculos, os elementos essenciais do sacramento da Unção dos Doentes, que o Concílio de Trento (Sessio XIV, caps. 1-3, cc. 1-4: DS 1695-1700, 1716-1719) propõe em forma sistemática:
a) sujeito: o fiel gravemente enfermo;
b) ministro«omnis et solus sacerdos»;
c) matéria: a unção com o óleo consagrado;
d) forma: a oração do ministro;
e) efeitos: a graça salvífica, o perdão dos pecados e o alívio do enfermo.

Prescindindo agora de outros aspectos, interessa-nos aqui sublinhar o dado doutrinal relativo ao ministro do sacramento, a que se refere exclusivamente a Nota da Congregação.
As palavras gregas da Carta de São Tiago, «tous presbitérous tes ekklesías» (5, 14), que a Vulgata traduz como «presbyteros Ecclesiae», em consonância com a tradição, não podem referir-se aos anciãos em idade da comunidade, mas àquela categoria particular de fiéis que, pela imposição das mãos, o Espírito Santo tinha colocado para pastorear a Igreja de Deus.
O primeiro documento do Magistério que fala explicitamente da Unção dos Doentes é uma carta do Papa Inocêncio I a Decéncio, Bispo de Gubio, de 19 de Março de 416. O Papa, comentando as palavras da Carta de São Tiago, e reagindo à interpretação das mesmas segundo a qual somente os presbíteros seriam ministros do sacramento, excluindo os Bispos, rejeita esta limitação, afirmando que os ministros do sacramento são os presbíteros e também o Bispo (cf. DS 216).
A carta do Papa Inocêncio I, como também outros testemunhos do primeiro milénio (Cesário de Arlés, Beda o Venerável), não apresentam, em todo o caso, prova alguma da possibilidade de admitir não sacerdotes como ministros do sacramento da Unção dos Doentes.
No Magistério e na legislação posterior, até ao Concílio de Trento, encontram-se os seguintes dados: Graciano, no seu Decretum (ca. 1140), recolhe quase literalmente as disposições da já mencionada carta de Inocêncio I (parte 1, dist. 95, c. 3). Depois, nas Decretais de Gregório IX insere-se uma das Decretais de Alexandre III (1159-1164), na qual responde afirmativamente à questão se o sacerdote pode administrar o sacramento da Unção dos Doentes estando completamente só, na ausência de outro clérigo ou de um leigo (X. 5, 40, 14). Por fim, o Concílio de Florença, na Bula Exsultate Deo (22 de Novembro de 1439), afirma, como verdade pacificamente aceite, que «o ministro deste sacramento é o sacerdote» (DS 1325).
A doutrina do Concílio de Trento toma posição face à contestação dos Reformadores, segundo os quais a Unção dos Doentes não é um sacramento, mas uma invenção humana; e os «presbíteros» de que se fala na Carta de São Tiago, não são os sacerdotes ordenados, mas os anciãos da comunidade. O Concílio expõe amplamente a doutrina católica a tal respeito (Sessio XIV, cap. 3: DS 1697-1700), e condena os que negam que a Unção dos Doentes seja um dos sete sacramentos (ibid., c. 1: DS 1716) e que o ministro deste sacramento seja só o sacerdote (ibid., c. 4: DS 1719).
Desde o Concílio de Trento até à codificação de 1917 há apenas duas intervenções do Magistério que, de algum modo, dizem respeito a este tema. Trata-se da Constituição Apostólica Etsi pastorales (28 de Maio de 1742, cf. § 5, n. 3: DS 2524) e da Encíclica Ex quo primum de Bento XIV (1 de Março de 1756). No primeiro documento estabelecem-se normas em matéria litúrgica sobre as relações entre os latinos e os católicos orientais chegados ao Sul da Itália, fugindo das perseguições; enquanto no segundo se aprova e comenta o Eucológio (Ritual) dos orientais que regressaram à plena comunhão com a Sede Apostólica[1]. Quanto ao sacramento da Unção dos Doentes supõe-se como verdade de facto que o ministro do sacramento seja «omnis et solus sacerdos».
A doutrina tradicional, expressa pelo Concílio de Trento sobre o ministro do sacramento da Unção dos Doentes, foi codificada no Código de Direito Canónico promulgado no ano de 1917 (c. 938 § 1), e repetida, quase com as mesmas palavras, no Código de Direito Canónico promulgado em 1983 (c. 1003 § 1) e no Código dos Cânones das Igrejas Orientais de 1990 (c. 739 § 1).
Por outro lado, todos os Rituais do sacramento da Unção dos Doentes pressupuseram sempre que o ministro do sacramento seja um Bispo ou um sacerdote (cf.Ordo Unctionis Infirmorum eorumque pastoralis curae, Edição típica, Typis Polyglottis Vaticanis 1972, Praenotanda, n 5. 16-19). Por isso não contemplaram sequer a possibilidade de que o ministro seja um diácono ou um leigo.
A doutrina segundo a qual o ministro do sacramento da Unção dos Doentes «est omnis et solus sacerdos» goza de tal grau de certeza teológica que tem de ser classificada como «definitive tenenda».
O sacramento é inválido se um diácono ou um leigo intenta administrá-lo. Tal acção constituiria um delito de simulação na administração do sacramento, punível a teor da norma do c. 1379 do CIC (cf. c. 1443 do CCEO).
Em conclusão, será oportuno recordar que o sacerdote, pelo sacramento que recebeu, torna presente, de um modo muito particular, o Senhor Jesus Cristo, Cabeça da Igreja. Na administração dos sacramentos, ele actua in persona Christi Capitis et in persona Ecclesiae. Quem opera neste sacramento é Jesus Cristo, o sacerdote é o seu instrumento vivo e visível. Ele representa e torna presente Cristo de modo especial, pelo que este sacramento tem uma particular dignidade e eficácia com respeito a um sacramental; de maneira que, como diz acerca da Unção dos Doentes a Palavra inspirada, «o Senhor o aliviará» (Tgo 5, 15). O sacerdote, além disso, actua in persona Ecclesiae. Os «presbíteros da Igreja» recolhem na sua oração (cf. Tgo 5, 14) a oração de toda a Igreja; como observa a este propósito São Tomás de Aquino: «oratio illa non fit a sacerdote in persona sua […], sed fit in persona totius Ecclesiae» (Summa Theologiae, Supplementum, q. 31, a. 1, ad 1). Uma oração assim é, certamente, escutada.



[1] . Note-se que também os Ortodoxos consideram que o ministro da Unção dos Doentes é somente o Bispo ou o presbítero.

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