Arquivo Litúrgico

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

CONFIRMAR A FIDELIDADE ÀS NORMAS LITÚRGICAS COMO TESTEMUNHO DE AMOR PELA EUCARISTIA

CARDEAL JOACHIM MEISNER
Arcebispo de Colónia (Alemanha)

Na proximidade da Solenidade do «Corpo e Sangue de Cristo», é oportuno recordar a importância que o Mistério Eucarístico tem na vida da Igreja. Embora o tema desta Instrução já tenha sido tratado nestas páginas, a voz autorizada do Cardeal Meisner, Arcebispo de Colónia, escritas dentro do Ano da Eucaristia, poderá servir-nos a todos, sacerdotes e leigos, para fazer um pouco de balanço sobre o que temos feito ou poderíamos fazer ainda, tendo em conta a grandiosidade do Mistério da Fé.

1. Motivo
A 25 de Março de 2004, a Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos promulgou a Instrução Redemptionis Sacramentum. O documento foi publicado em colaboração com a Congregação para a Doutrina da Fé; ele trata das normas a serem seguidas e dos abusos a serem evitados na celebração do Sacramento da sagrada Eucaristia. A actual instrução tem a sua origem no desejo explícito do Papa, que na sua Encíclica Ecclesia de Eucharistia formulou o desejo de recordar e confirmar com amor, através de um documento adequado, a fidelidade às normas litúrgicas como testemunho de amor pela Eucaristia, «fonte e ápice de toda a vida cristã» (LG 11). A Instrução deve ser lida e interpretada à luz da Encíclica com a qual está intrinsecamente relacionada. A Eucaristia é o dom mais precioso deixado pelo Senhor à Igreja para que fosse fielmente guardado: «Fazei isto em memória de Mim», disse o Senhor quando instituiu o Sacramento, explicitando a sua vontade. Em todos os tempos, a Igreja cumpriu este mandamento com grande fidelidade e clareza. Encontra-se aqui o lugar teológico para a compreensão da nova Instrução.

A Instrução não tem novas regras litúrgicas e não tem sequer como finalidade propor uma suma das normas eclesiais sobre a sagrada Eucaristia. A sua finalidade é assumir alguns elementos das normas promulgadas e esclarecer e completar as normas já em vigor (cf. RS 2).

2. Ritos e normas da liturgia
A forma e o conteúdo são uma realidade indispensável na vida humana. Onde se perde a forma, também o conteúdo se fragmenta. Isto é válido particularmente para os gestos litúrgicos e para os ritos de culto, de modo especial na celebração eucarística.

No culto celebrado pela Igreja através dos séculos, o conteúdo criou as formas correspondentes nas mãos da Igreja que reza. A fidelidade ao Senhor e ao seu povo obriga a Igreja a fazer isto também no tempo presente. As formas ou os ritos não são de segunda categoria nem supérfluos, mas supõem um valor substancial para o culto da Igreja. A liturgia nunca é propriedade privada de um sacerdote ou de uma comunidade, mas culto da Igreja universal (cf. Ecclesia de Eucharistia, 52). O povo de Deus tem direito à Santa Missa celebrada de modo autêntico segundo as normas litúrgicas. Em relação aos ritos e aos gestos da liturgia não se trata de praxis, mas de sinais externos que indicam o valor interior da celebração, oferecendo o sacrifício que Cristo realizou na cruz e propondo a ressurreição do Senhor. Para o sacerdote e para a comunidade trata-se de meditar e cumprir as formas exteriores, partindo do seu conteúdo.

Para alcançar esta finalidade, a Instrução realça tanto a obrigação dos ministros sagrados como o direito de cada fiel: a obrigação e o direito a ter a verdadeira liturgia, a que foi estabelecida e prescrita pela Igreja; a obrigação e o direito ao santo sacrifício da Missa celebrada, de modo autentico segundo a doutrina do Magistério eclesial; a obrigação e o direito de excluir todos os abusos e gestos que manifestem divisões na celebração do Sacramento da unidade (cf. RS 12). Por isso, o documento é também um contributo para a tutela dos direitos de todos os fiéis no interior da Igreja.

3. Normas fundamentais
A Instrução inclui (além da introdução e da parte final) oito capítulos que realçam diferentes aspectos da Eucaristia. São recordadas normas fundamentais, por exemplo sobre os detentores da autoridade eclesiástica e sobre as diversas competências acerca da regulamentação da liturgia e sobre o direito a tutelar a integridade da Santa Missa (capitulo l). Além disso, são propostos os remédios contra os abusos descritos: a necessidade da formação bíblica e litúrgica de todos os fiéis; a possibilidade de enviar reclamações aos órgãos competentes da Igreja particular e universal, especialmente ao Bispo diocesano (capítulo VIII). Os temas da participação dos fiéis leigos na Eucaristia (capítulo II) e das suas tarefas extraordinárias (capítulo VII) têm um papel fundamental para a teologia e para o direito.

Em sintonia com a Encíclica Ecclesia de Eucharistia, a ideia central encontra-se na acentuação da necessidade fundamental de um sacerdote validamente ordenado para a celebração eucarística autêntica e na definição da participação dos fiéis leigos. A Santa Missa está intrinsecamente relacionada com o serviço do sacerdote ordenado que ensina, santifica e guia os fiéis in persona Christi capitis.

Desta forma, «a Eucaristia celebrada pelos sacerdotes é um dom de Deus, um dom que «supera radicalmente o poder da assembleia» (RS 42). Ao mesmo tempo a estrutura hierárquica do povo de Deus manifesta-se na celebração eucarística, quando todos os fiéis são chamados a participar activamente no sacrifício eucarístico com o canto, as respostas, os gestos, o silêncio, e com funções litúrgicas especiais (leitor, acólito, ministro extraordinário da Comunhão, sacristão, organista, cantor, ministrante). Contrariamente a quanto «pretendia saber» uma indiscrição publicitada antes de aparecer oficialmente a Instrução, admite-se explicitamente uma participação das mulheres e das meninas no serviço litúrgico segundo as normas litúrgicas (cf. RS 47).

Sempre e em toda a parte a acção litúrgica deve levar ao «sentido interior» e a uma grande admiração perante a «profundidade daquele mistério de fé. (RS 40 e 44). A Instrução recorda como ideal litúrgico «a relação complementar» dentro da acção litúrgica, como indica o Concílio Vaticano II (SC 28): ministros e fiéis realizem «só e tudo o que é da sua competência» (RS 44).

4. Normas especiais
Alguns aspectos do Sacramento eucarístico são tratados, juntamente com os preceitos correspondentes e os abusos concretos, em quatro capítulos (cap. III-VI) que realçam em primeiro lugar os elementos essenciais para a recta celebração da Santa Missa que é um único acto de culto através da unidade intrínseca entre liturgia da palavra e celebração eucarística. Fala-se de questões relativas à matéria eucarística (portanto, pão e vinho). Além disso, é recordado o uso exclusivo das orações eucarísticas legitimamente aprovadas pela Santa Sé, as quais podem ser recitadas unicamente (excepto as aclamações) pelo sacerdote (cf. RS 51 ss,). Confirmam-se os elementos pertencentes à liturgia da palavra: a dignidade invariável das leituras bíblicas (cf. RS 61 s.), que não podem ser substituídas por qualquer outro texto, e a dignidade do evangelho e da homilia na celebração eucarística, reservados ao sacerdote e ao diácono (cf. RS 63).

O quarto capítulo (cf. RS 80-107) confirma a normativa sobre a recepção da sagrada Comunhão indicada na Encíclica eucarística. Em relação à Comunhão de cristãos não católicos, a Instrução limita-se a recordar as afirmações do cânone 844 CIC/1983 e as exposições da Encíclica Ecclesia de Eucharistia (cf. RS 85). De resto, a Instrução indica a necessidade da recta disposição para quem se aproxima da Sagrada Comunhão. Isto significa particularmente que, no caso de um pecado grave, há necessidade de procurar primeiro a Confissão sacramental para uma recepção frutuosa do Sacramento (cf. RS 81).

O quinto capitulo (cf. RS 108-128) refere-se a questões inerentes à manifestação exterior da Eucaristia, por exemplo sobre o lugar da Eucaristia (cf. RS 108 ss.), os vasos sagrados (ibid. 117ss.) e as vestes litúrgicas (ibid. 121 ss.). Neste ponto, a Instrução recorda os preceitos correspondentes. É fundamental, o «fio condutor», que tudo deve ser realizado segundo a inteligência da fé e que cada celebração eucarística, mesmo a que é feita em grupos pequenos, deve ser sempre entendida como celebração da Igreja universal, e por conseguinte, libertada da arbitrariedade privada (cf., ibid. 114), Não somos nós que fazemos a liturgia, mas nós aproximamo-nos da liturgia da Igreja que é ao mesmo tempo uma imagem da liturgia celeste.

O sexto capítulo (cf. RS 129-145), por fim, ocupa-se da custódia da santa Eucaristia no Tabernáculo (cf. ibid. 129 ss.) e da sua veneração fora da Santa Missa na adoração (cf. ibid. 134 ss.), nas procissões e nos congressos (cf. RS 142

5. A Instrução como desafio e encorajamento
Redemptionis Sacramentum – Quem segue com fidelidade os preceitos litúrgicos, quem celebra a sagrada liturgia, especialmente a Eucaristia, em unidade com a Igreja universal, quem participa nela com a mesma fidelidade, manifesta o seu amor a Cristo. Ao mesmo tempo é testemunhado o amor à Igreja e a responsabilidade face ao direito de todos os fiéis de encontrar no Sacramento o Redentor de modo autêntico. É tarefa da Igreja salvaguardar este encontro e, por conseguinte, a verdade da celebração litúrgica. Através dos seus preceitos jurídicos e litúrgicos, a Igreja protege a liturgia para que se destaque que ela é um encontro entre Deus e os homens, e não se caia nunca numa acção meramente humana.

Como fruto da Encíclica eucarística, a Instrução constitui um desafio importante para cada ministro sagrado. Há necessidade de um sério exame de consciência em relação à verdade e à fidelidade da sua acção como ministro da liturgia, que nunca é propriedade privada, mas permanece sempre o tesouro da Igreja, não disponível ao arbítrio humano. O documento refere-se em igual medida a todos os que estão comprometidos na educação litúrgica.

Além disso, a Instrução é também um encorajamento propício para todos os fiéis, a fim de que tenham confiança no facto de que a Igreja, para a salvação das almas, sabe proteger de abusos os seus direitos relativos ao Sacramento eucarístico. Já por estes motivos é preciso desejar que o documento alcance uma recepção e uma realização protegida pela bênção divina.


(*) L´Osservatore Romano, n. 32- 6 de Agosto de 2005, pág. 6

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